Déborah Bacelar mora em Manaus. É professora e escritora. Publicou seu primeiro livro de poemas, Desejo absoluto, em 2022, pela editora Urutau. Acredita, sobretudo, que a palavra (trans)forma a carne, o ser e a vida.
modo sobrevivência
depois de longas atravessadas
e reflexões estomacais
um decreto veio à tona:
loucura noturna
aquela que grita o silêncio
e namora o fitoterápico
nesse meio tempo uma acidez
sibilou nuances de certezas
o sono não chega porque cansa pensar
e cansa mais saber
mas disseram-me na saleta virtual
o segredo desse dilema
deixar os pontos cirúrgicos abrirem
ajuda no processo de cura
signos
I.
caminho pelo vale
observo pele e cheiro
de suor seco
espalho cara-cobra
nos ares e continuo
II.
fui na esquina
vi roupa molhada no
varal de pau quebrado
só farpa no dedo
e na pele oleosa
III.
encontrei secura
em copo cheio
e bico ouvinte de pássaro
com pena cortada
impedido de voar
criatura
a terra cuspiu
de sua boca amarga
um ser estranho
ser – criatura – carga
pesadíssima
não floresceria
a placenta de grãos desfizera-se
rejeitou o pedaço encorpado em apoteose
não serviu para a terra, servirá para os homens
brilhará como diamante
descansará como bacamarte
o nada será o único espaço-casa
terá uma semivida
sem origem, sem idioma
sem linguagem para contaminar
Fotografia: Trem na ponte de São João – Arthur Wischral (Acervo Instituto Moreira Salles).